Livro da Semana: O Último Turno

Título Original: End of Watch
Título Traduzido: O Último Turno
Ano de Publicação: 2016
Data de Publicação nos EUA: 07/06/2016
Ano de Publicação no Brasil: 2016
Personagens Principais: Bill Hodges, Brady Hartsfield
Adaptação:
Disponível no Brasil pelas Editoras: Suma de Letras (Outubro de 2017)

NO QUARTO 217 DA CLÍNICA DE TRAUMATISMO CEREBRAL DA REGIÃO DOS LAGOS, ALGO FOI ACORDADO, ALGO MAU!

Brady Hartsfield, causador do Massacre do Mercedes, onde oitenta pessoas foram mortas e muito mais foram feridas, tem estado na clínica de traumatismo cerebral por cinco anos, em estado vegetativo. De acordo com seus médicos, a chegada de uma recuperação completa é improvável. Mas, por trás do olhar fixo e da baba escorrendo, Brady está acordado, e em posse de um novo e mortal poder que lhe permite criar o caos inimaginável sem nunca sair do seu quarto de hospital.

O Detetive de polícia aposentado Bill Hodges, o herói improvável de “Mr. Mercedes” e “Finders Keepers”, agora dirige uma agência de investigação com seu parceiro, Holly Gibney, que desferiu o golpe na cabeça de Hartsfield que o colocou na clínica de lesão cerebral. Brady também se lembra disso. Quando Bill e Holly são chamados para investigar um assassinato/suicídio com ligação com o Massacre do Mercedes, eles encontram-se atraídos para o seu caso mais perigoso, aquele que não vai colocar só suas vidas em risco, mas as do amigo de Hodges, Jerome Robinson e de sua irmã adolescente, Barbara. Porque Brady Hartsfield está de volta e planejando vingança não apenas de Bill Hodges e seus amigos, mas de uma cidade inteira.

Em “End of Watch”, Stephen King trás uma conclusão sublime e aterrorizante para a Trilogia de Hodges, combinando a ficção policial de “Mr. Mercedes” e “Finders Keepers” com o suspense sobrenatural que tem sido sua marca registrada. O resultado é um olhar inquietante na vulnerabilidade humana e uma noite inteira de entretenimento que você passará acordado.

CRÍTICA

O interessante sobre os casos de Bill Hodges é como todas as histórias estão, de alguma forma, permeando um Stephen King clássico. Ao invés de segui-las por corredores de horror, as histórias nos levam à becos de um noir moderno e do romance policial. “Mr. Mercedes”, com o seu assassino em massa desequilibrado e um carro homicida, saindo diretamente de clássicos como “Carrie” e “Christine”, com um toque de “O Aprendiz”. “Achados e Perdidos” pertence há uma longa linha de histórias sobre histórias, como elas afetam as pessoas e como as pessoas afetam-nas. O livro mais similar seria “Misery: Louca Obsessão”, com um pouco de “A Metade Negra” e “Saco de Ossos”, talvez com um pouco de “Janela Secreta, Jardim Secreto” (Depois da Meia Noite). Com o livro final da trilogia Hodges, “O Último Turno”, estamos olhando o que os cientistas de “A Incendiária” poderiam estar fazendo no século 21, e como a tecnologia e as mídias sociais podem ter piorado toda a situação.

Claro que isso é simplista. Desconstrua qualquer história em seus componentes básicos para encontrar semelhanças. Isso não significa que o King está se repetindo. Trata-se de tomar as coisas com que o King está familiarizado – carros assassinos, poderes psíquicos, fãs lunáticos – e colocar em um novo tipo de ficção. E agora chegamos ao último livro da trilogia, que mostrou-se um bom livro, que satisfaz todos os requisitos necessários para terminar esta série.

Livros que seriam mais impactantes sem o elemento sobrenatural são vastos na bibliografia de King: “Cujo”, “Eclipse Total”, “The Girl Who Loved Tom Gordon” e até mesmo “Blaze” – às vezes parece que King acredita que a sua história não funcionaria totalmente fora de um reino sobrenatural. E para ser justo, o elemento do “outro” em “O Último Turno” não é tecnicamente sobrenatural. Stephen King usa um bom par de páginas para tentar explicar o “talento” como algo cientifico, igual a “A Incendiária”. O medo que o King tem da tecnologia é atualizado para a era da mídia social, e isso é muito peculiar. De “Trucks” para “Christine”, de “Os Estranhos” para “Celular” ou “UR”, King sempre encontrou terror na tecnologia, e sempre era um terror contemporâneo à época. Quando ele mencionou o Twitter pela primeira vez em “Gigante do Volante “, era como se ele estivesse experimentando o terreno das redes sociais.

Talvez tudo isso seja muito familiar. Quando Roland Deschain conscientemente assumiu os corpos de Eddie Dean, Odetta Holmes e Jack Mort no “A Escolha dos Três”, esse elemento era único e novo. Quando Tak invade Seth Garin em “Os Justiceiros”, era aterrorizante. Quando Mr. Gray vestiu Jonesy em “O Apanhador de Sonhos”, o conceito estava desgastado e o efeito diminuído. E não podemos esquecer de Dinky Earnshaw em “Tudo é Eventual”, o antecedente mais direto deste livro. Dinky tinha o poder de fazer as pessoas se matarem enviando apenas um e-mail. A grande diferença é que Dinky estava em um conflito interno por causa desta situação, e acaba por fim escolhendo um lado.

Aqui, um dos psicopatas mais convincentes do King, Brady Hartsfield, é reduzido meramente à sua consciência, e essa mesma consciência descobre que pode tomar posse de outros corpos, afetando suas vidas. O problema em elevar uma personagem tão fantasticamente realizada como Brady Hartsfield à um status de deus é o mesmo problema em desmerecer uma personagem de caráter divino como Randall flagg ao status de um mero mortal. Isso não quer dizer que o crescimento e desenvolvimento de uma personagem não são essenciais, e que se os mesmos se comportarem de uma forma diferente da qual conhecíamos anteriormente não indica uma certa evolução. O problema é que o atrativo de vilão em Brady Hartsfield estava no fato dele ser um cara qualquer. Um cara demente que adorava a ideia do suicídio e gostaria de espalha-la. Ao transformá-lo de Príncipe do Suicídio para Deus do Suicídio, King perde um pouco do horror criado em Mr. Mercedes, o que, é claro, não inviabiliza as qualidades do livro.

Existem diversas coisas boas no livro, até mesmo em relação a transformação de Brady. King se supera quando escreve sobre a descoberta de novos talentos. Carrie White levantando sua cama com sua mente, Danny Torrence conversando com Dick Hallorann sem falar em voz alta, o controle de Charlie McGee com o fogo, todas essas cenas estão cheias de descoberta e maravilha, nunca ignorando o verdadeiro poder destas personagens. As primeiras viagens de Brady na mente de outras pessoas é um bom exemplo de King como romancista, permitindo que o leitor veja e sinta quão estranho um sequestro cerebral pode ser. Além disso, King sempre tenta incluir personagens gays que são algo mais além de sua sexualidade. Em “O Último Turno” temos uma lésbica anti-herói que possui seus demônios, como qualquer outra pessoa. É interessante ver uma abordagem séria sobre o assunto, que foge dos clichês e estereótipos com os quais estamos acostumados.

E sempre é bom revisitar Bill, Holly e Jerome, mesmo que por uma ultima vez. Existiram alguns momentos constrangedores entre essas personagens nos últimos livros, como a identidade negra exagerada em Jerome, ou Bill dizendo a Holly para sorrir mais, pois assim ela ficaria mais bonita, mas essas são pequenas coisas quando as personagens juntas são tão divertidas e simpáticas.

Talvez seja injusto julgar este livro com os outros anteriores. “Mr Mercedes” foi um bom livro e “Achados e Perdidos” ainda melhor. Se comparados, “O Último Turno” aparenta ser curto demais. É um livro estilisticamente simples, com o intuito de contar uma historia divertida e contagiante sem a profundidade de “Novembro de 63” ou “Saco de Ossos”, mas tão bom quanto. Provavelmente será lembrado como um livro com falhas, mas ele encontrará seu lugar na vasta bibliografia de King.

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Uma resposta

  1. Caro Luis, boa noite.
    Sempre encontro um espaço no tempo, para ler e refletir, sobre às suas críticas. Não me arrependo deste saudável hábito. Eu gosto do seu ponto de vista, como o defende, a argumentação bem fundamentada, mesmo frente a minha eventual oposição. Dessa vez, sobre a trilogia, fui surpreendido. Esperava que fosse mais contundente com O Último Turno, do que com Achados e Perdidos. Nenhum dos três é um livro desinteressante, todos possuem a mesma paternidade, justificam-se pelo mesmo DNA, com as variâncias esperadas. São livros estupendos – trapaças que são pura elegância. Histórias factíveis e recheadas de páginas carregadas de momentos ofegantes, frutos de um dom divino. King é um homem, um escritor iluminado. E, em um novo gênero, segue com a mesma qualidade. As pessoas e suas vidas tem o mesmo ciclo e , aqui,no III, King esmiúça o terço final de uma vida rica, bem trabalhada, vivida com paixão e o registro linear dos ocasos habituais.Interrompo aqui, e brevemente, para reafirmar uma grande virtude de Stephen, o curso simples das vidas que guarda entre as capas.Dai o livro III, ser uma elegante despedida.
    A minha única observação, ou restrição , refere-se ao tórrido desfecho no livro II. Eu esperava uma outra saída. Gosto, preferência, hábito.Talvez, naquelas poucas páginas, eu procurei o que não consegui encontrar, mas também não sei. Havia uma perseverante obsessão, foram muitos anos, uma tão longa e paciente espera. A barra de chocolate veio embaladinha, mas estava menor, um pouco. Parabéns pelo trabalho e pela qualidade.
    Do seu leitor fiel,
    Marcus

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