“The Bazaar of Bad Dreams”: Leia a introdução do novo livro de Stephen King

Stephen King é um dos poucos autores norte-americanos que ainda mantém o costume de publicar, de tempos em tempos (algo entre 3 e 5 anos, ou quando simplesmente tem um montante considerável deles) coletâneas de histórias curtas, ou contos. Já é basicamente uma “tradição” que começou no longínquo ano de 1978, com o livro “Night Shift” (“Sombras da Noite”, no Brasil) e continuou com mais nove livros, até hoje, quando foi lançado o décimo livro de contos do autor. “The Bazaar of Bad Dreams” (“O Bazar de Pesadelos”, em tradução livre) trará vinte novas histórias. Delas, duas já são conhecidas do público brasileiro; o conto “Milha 81” saiu em formato de e-book pela Suma de Letras, enquanto a história “A Duna” foi publicada na décima edição da Revista Literária Granta.

Para o público norte-americano, a maioria das histórias já foi divulgada, porém no prefácio King insiste em dizer que algumas passaram pelo processo normal de revisão. Permaneceram inéditos os contos “Bad Little Kid” (publicado originalmente apenas em francês e alemão), “Mister Yummy” e “Obits”. “Drunken Fireworks” até o momento tinha sido publicado apenas em formato audiobook. Há ainda outros dois poemas de King que completam a coletânea, “The Bone Church” e “Tommy”.

Bom, feitas as devidas apresentações, a boa notícia é que tivemos ontem acesso ao livro e já estamos trabalhando na resenha. Assim que estiver pronta, disponibilizaremos aqui. Até lá vocês podem ter um gostinho do que vem por aí pela introdução que ele escreveu para o livro, que segue abaixo:

Nota do Autor

Algumas destas histórias foram previamente publicadas, mas isso não significa que elas estavam terminadas, ou ainda que elas estejam terminadas agora. Até que um escritor ou se aposente ou morra, o trabalho não está terminado; ele sempre pode dar outro polimento e um pouco mais de revisões. Aqui há também um monte delas. Algo mais que eu quero que você saiba: quão grato eu estou, Leitor Constante, por ambos ainda estarmos aqui. Legal, não é?

– SK

INTRODUÇÃO

Eu fiz algumas coisas para você, Leitor Constante; você as verá do lado de fora antes de sair ao luar. Mas antes de você dar uma olhada nos pequenos tesouros artesanais que eu tenho à venda, vamos falar sobre eles por um momento, certo? Não vai demorar. Aqui, sente ao meu lado. E se aproxime um pouco mais. Eu não mordo.

Exceto… Nós nos conhecemos há um bom tempo, e eu suspeito que você saiba que isso não é inteiramente verdade.

I

Você ficaria surpreso – ao menos, eu imagino que você ficaria – com quantas pessoas me perguntam por que eu ainda escrevo contos. A razão é muito simples: escrevê-los me faz feliz, porque eu fui feito para entreter. Eu não consigo tocar guitarra muito bem, e eu não consigo de forma alguma sapatear, mas eu consigo fazer isto. Então eu faço.

Eu sou um romancista por natureza, eu vou concebê-los, e eu tenho um gosto particular pelos longos que criam uma experiência imersiva para escritores e leitores, onde a ficção tem a chance de se transformar em um mundo quase real. Quando um livro longo é bem sucedido, o escritor e o leitor não estão apenas tendo um caso; eles estão casados. Quando eu recebo uma carta de um leitor que diz que ele ou ela estava sentido porque “A Dança da Morte” ou “Novembro de 63” chegaram ao fim, eu sinto que aquele livro foi um sucesso.

Mas há algo para ser dito sobre um conto, uma experiência mais intensa. Ele pode ser revigorante, às vezes até chocante, como uma valsa com um estranho que você nunca verá de novo, ou um beijo no escuro, ou uma bela curiosidade a venda sobre um cobertor barato num bazar de garagem. E, sim, quando minhas histórias são selecionadas, eu sempre me sinto como um vendedor de rua, um que vende apenas à meia-noite. Eu exibo minha variedade, convidando o leitor – que é você – a se aproximar e escolher. Mas eu sempre adiciono o embargo apropriado: tome cuidado, meu querido, porque alguns destes itens são perigosos. Eles são os únicos com pesadelos escondidos dentro, os únicos nos quais você não consegue parar de pensar quando o sono demora a chegar e que o levam a querer saber por que a porta do armário está aberta, quando você sabe perfeitamente que havia fechado.

II

Se eu disser que sempre gostei da estrita disciplina que trabalhos curtos de ficção impõem, eu estaria mentindo. Contos requerem um tipo de habilidade acrobática que toma um bom tempo de prática cansativa. Leitura fácil é o produto de escrita difícil, alguns professores dizem, e é verdade. Erros que podem ser ignorados em um romance se tornam notoriamente óbvios em um conto. Disciplina estrita é necessário. O escritor precisa conter seu impulso de seguir certos atalhos e manter-se estrada principal.

Eu nunca sinto as limitações do meu talento tão sutilmente como quando eu escrevo contos. Eu tenho que lutar com sentimentos de inadequação, um medo tão profundo de que eu serei incapaz de preencher a lacuna entre uma grande ideia e a realização em potencial daquela ideia. O que emerge, na planície inglesa, é que o produto acabado nunca parece tão bom quanto a esplendida ideia que aflorou do subconsciente um dia, juntamente com o pensamento excitante, “Ah cara! Eu preciso escrever isso imediatamente!”

Às vezes o resultado parece muito bom, penso. E de vez em quanto, o resultado é ainda melhor do que o conceito original. Eu amo quando isso acontece. O desafio de verdade é entrar na maldita coisa, e eu acredito que é por isso que muitos pretensos escritores com grandes ideias nunca realmente pegam na caneta ou começam a jogar fora as chaves. Muitas vezes, é como tentar dar a partida num carro em um dia frio. Primeiro o motor nem chia, ele só geme. Mas se você persiste (e se a bateria não morre), o motor começa a… girar rápido… e então suaviza.

Há histórias aqui que vieram em um flash de inspiração (“Summer Thunder” foi uma delas), e tiveram que ser escritas de uma vez, ainda que isso significasse interromper o trabalho em um romance. Há outras, como “Mile 81”, que esperaram sua vez pacientemente por décadas, ainda que o foco estrito preciso para criar um bom conto seja sempre o mesmo. Escrever romances é um pouco como jogar baseball, onde o jogo permanece pelo tempo que for necessário, mesmo que isso signifique vinte entradas. Escrever contos é mais como jogar basquete ou futebol americano: você está competindo contra o relógio assim como contra o outro time.

Quando se começa a escrever ficção, longa ou curta, a curva de aprendizado nunca termina. Eu talvez seja um Escritor Profissional para o “Leão” quando eu entrego minha declaração do imposto de renda, mas em termos criativos, eu ainda sou um amador, ainda aprendendo meu artesanato. Nós todos somos. Cada dia gasto escrevendo é uma experiência de aprendizado, e uma batalha para fazer algo novo. Empurrar com a barriga não é permitido. Não se pode aumentar o seu talento – isso vem com o pacote – mas é possível manter o talento longe do encolhimento. Ao menos, eu gosto de pensar que sim.

E ei! Eu ainda amo isto.

III

Então aqui estão as novidades, meus queridos Leitores Constantes. Esta noite eu estou vendendo um pouco de tudo – um monstro que se parece com um carro (sombras de Christine), um homem que pode matá-lo escrevendo seu obituário, um e-reader que acessa mundos paralelos, e meu favorito de todos, o fim da raça humana. Eu gosto de vender estas coisas quando o resto dos vendedores está há muito tempo em casa, quando as ruas estão desertas e uma fria neblina lunar passa por sob os desfiladeiros da cidade. É quando eu gosto de espalhar meu cobertor e botar para fora minhas novidades.

Chega de falar. Talvez você gostasse de comprar alguma coisa agora, não é? Tudo o que você vê é feito à mão, e por enquanto eu amo cada um e todos os itens, eu estou feliz em vendê-los, porque eu os fiz especialmente para você. Sinta-se livre para examiná-los, mas por favor tenha cuidado.

Os melhore deles tem dentes.

6 de Agosto de 2014.

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