As Cidades de Stephen King: Derry

Derry é uma cidade do estado do Maine, que se situa ao longo da interestadual 95, ao sul de Dexter e ao oeste de Bangor e Haven, outras duas cidades bem conhecidas pelos leitores de Stephen King. Aparentemente trata-se de uma típica cidade norte-americana interiorana… Possui uma praça central, que rodeada pelo prédio do Palácio da Justiça e por diversas lojas, compõe o centro das atividades e da vida da comunidade. Essas lojinhas locais populares são responsáveis por fornecerem as comodidades cotidianas da vida moderna e as fofocas que alimentam a cidade, assim como boa parte das cidadezinhas interioranas dos EUA que usam o boca-a-boca como combustível. A drogaria do Sr. Norbert Keene, localizada perto da praça, é o lugar onde a maioria dos cidadãos de Derry pegam suas receitas e onde as crianças ganham seus remédios disfarçados de balinha. Há também uma biblioteca pública que fica próxima do centro da cidade, onde ocorreram eventos importantes para a pequena cidade de Derry.

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Mapa de Derry

Longe da praça central, Derry possui vários outros marcos famosos, que a maioria das pessoas da cidade conhece e alguns que elas decididamente preferem evitar. Um deles é um lugar conhecido como “Os Sertões” (The Barrens), o lugar onde a água do esgoto da cidade desemboca e que fica localizado no parque memorial de Derry. Derry também possui um observatório de pássaros, uma indústria abandonada, um lixão e um ferro velho.

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A entrada para os esgotos de Derry no filme IT, Uma Obra Prima do Medo, de 1990

Apesar de aparentemente ser uma cidade comum, Derry possui, atrás de seus quintais com a grama bem aparada e a aparente tranquilidade dos moradores, um passado trágico e uma história que reflete toda a maldade que parece se esconder nas vielas obscuras dessa cidadezinha do interior dos Eua. Em 1741 a população inteira da cidade desapareceu. Algo bem semelhante ao que aconteceu com a Colônia de Roanoke (que hoje é a atual Carolina do Norte), cujos moradores desapareceram misteriosamente em 1587, sem deixar vestígios do que poderia ter acontecido. Mas esse foi só o início dos problemas de Derry. Quase cem anos depois, um morador chamado John Markson matou toda a sua família envenenada, se matando em seguida, comendo um cogumelo tóxico. Quase trinta anos depois, em 1879, um grupo de lenhadores encontraria os restos mortais de outro grupo, cobertos de neve e cortados em pedaços. Em 1906, durante uma caçada tradicional por ovos de páscoa, num domingo ensolarado e aparentemente comum, a velha indústria explodiu, matando cerca de 102 pessoas. Em 1930 a “Mancha Negra”, um clube social local para negros foi completamente destruído durante um incêndio, vitimando dezenas de pessoas. Em 1958 cerca de cento e vinte e sete crianças, entre 3 e 19 anos, foram dadas como desaparecidas na cidade. Em 1985 nove crianças foram assassinadas e o assassino nunca foi preso. Esse também foi o ano do que ficou conhecido como “O grande dilúvio”, uma chuva de vários dias que resultou em milhões de dólares de danos à cidade. Em 1994 a feminista Susan Day foi morta quando um morador de Derry, Ed Deepneay, avançou com um avião contra o Centro Cívico de Derry.

Embora somente aqueles que realmente moram em Derry entendam de verdade a escuridão que cerca a cidade, até mesmo os visitantes possuem uma sensação estranha no ar, quando chegam à cidade. As pessoas que visitam Derry costumam ter a sensação de que “algo não está certo” e até mesmo os moradores de Haven, cidade mais próxima de Derry, relatam que ouvem e veem coisas estranhas nas proximidades da cidade. Além disso, a taxa de homicídios de Derry é seis vezes maior que qualquer outra cidade de tamanho semelhante na Nova Inglaterra, assim como a taxa de desaparecimento de crianças, que fica entre quarenta e sessenta por ano.

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DESAPARECIDO: Richie Tozier, 13 anos. Data de Nascimento: 07/05/1976. Sexo: Masculino. Idade: 13 anos. Altura: 1,54. Peso: 40 Kg.

Um evento que merece um pouco mais de atenção abrange um período relativamente grande de tempo, entre os anos de 1958 e 1985. Em 1958 as crianças de Derry começaram a desaparecer ou serem mortas em um ritmo considerado alarmante pelas autoridades locais. Uma dessas vítimas foi Georgie Denbrough que foi morto enquanto brincava com um barco de papel feito pelo seu irmão, Bill, que provavelmente se salvou por estar de cama naquele dia. Posteriormente, Bill e seis de seus amigos criaram um clube chamado “O Clube dos Perdedores”. Convencidos de que um assassino estava à solta na cidade, eles começaram a tentar rastrear a criatura e acabaram chegando até os esgotos da cidade. O que aconteceu lá ainda permanece um mistério. O que se sabe é que em 1985 as crianças começaram novamente a desaparecer e serem assassinadas. Foi então que Mike Hanlon, o bibliotecário e ex-integrante do Clube dos Perdedores, começou a entrar em contato com seus amigos de infância avisando-os sobre os desaparecimentos e alertando-os sobre a promessa que tinham feito de que voltariam até a cidade para deter o assassino, caso ele voltasse.

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O Clube dos Perdedores

Mas essa não foi, nem de longe, a última coisa estranha que aconteceu em Derry. Em 1994 um morador idoso chamado Ralph Roberts (mais detalhes em “Insônia”) começa a enlouquecer devido ao seu problema com a insônia e a perda de sua primeira esposa, Carolyn. Ralph começa a ter visões e acreditava ter desenvolvido um sexto sentido que o permitia enxergar a “aura” das pessoas ao seu redor, inclusive sendo capaz de ver a morte que pairava sobre suas cabeças, no que o próprio Robert descreveu como “um balão preto” flutuando sobre elas. Ralph decide agir quando descobre, graças a seus supostos poderes, que seu vizinho, Ed Deepneau, está planejando um ataque ao Centro Cívico de Derry, onde Susan Day, uma ativista feminista, está discursando.

Em 1998, Mike Noonan, um romancista de sucesso que viveu em Derry, vê sua vida mudar drasticamente quando sua mulher, Jo Noonan, morre em um acidente de carro (ela estava grávida do primeiro filho do casal). Isso faz com que Noonan se torne emocionalmente instável e acabe desenvolvendo o que ele chama de “bloqueio de escritor”, que o impede de fazer aquilo que dava sentido á sua vida; escrever. Ele decide deixar Derry por um tempo e se isolar em sua casa de verão às margens do lago conhecido como Cristal Lake. Durante o período em que se refugiou na casa, Noonan se envolve em uma série de eventos que envolvem o resgate de uma criança e uma batalha pela custódia dela entre a mãe da criança, Mattie Devore, e seu pai adotivo, o milionário Max Devore. Como se não bastasse, Noonan também acreditar que havia começado a receber mensagens de espíritos, um dos quais ele acredita ser sua falecida esposa.

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Mike Noonan

Em 2001 Derry mais uma vez foi palco de terríveis acontecimentos. Um grupo de quatro amigos decidiu fazer uma viagem para caçar na floresta, numa espécie de ritual anual do grupo. Os quatro amigos haviam crescido juntos em Derry e tinham compartilhado muitas aventuras pelas ruas e jogando no Barrens. Quando crianças, os quatro tinham também ajudado Douglas “Duddits” Cavell, um garoto com Síndrome de Down que estava sendo assediado por um valentão local. Como resultado, Duddits acaba se tornando, meio que por acidente, o quinto membro do grupo de amigos. Muitos anos se passaram, mas eles permaneceram amigos pelo resto de suas vidas, até o dia do fatídico acampamento. Ao chegarem na cabana eles receberam a visita de um misterioso caçador chamado Richard McCarthy, que foi recepcionado por Jonesy, enquanto os outros tinham saído para buscar mantimentos. McCarthy estava sofrendo de uma doença desconhecida e acabou morrendo. Após uma série de eventos, eles descobriram que os militares tinham decretado quarentena nos arredores de Derry, devido a queda do que eles acreditavam ser uma nave alienígena. Para sobreviver eles chamaram seu amigo de infância Duddits para ajudar a recuperar a conexão psíquica que eles cinco tinham compartilhado no passado e que se perdera com o decorrer do tempo (para mais informações consulte o livro “O Apanhador de Sonhos”).

Em 2011 Derry voltaria ser palco de estranhos acontecimentos, quando o Jake Epping, conhecido como George Amberson, descobriu uma característica única na cidade, uma espécie de “falha” que permitia que uma pessoa com coragem suficiente voltasse no tempo. Com o incentivo do homem que o apresentou à “falha”, Al Templeton (dono do restaurante onde fica a passagem), Jake volta ao passado com uma missão; evitar o assassinato de Kennedy e salvar o futuro (mais informações sobre esses acontecimentos podem ser encontradas no livro “Novembro de 63”).

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Jake Epping

Curiosidades

  • Stephen King já deixou claro, várias vezes, que a cidade que o inspirou a criar Derry foi Bangor, uma cidade real que fica no Maine, no Condado de Penobscot e que foi fundada em fevereiro de 1834. Resumidamente, Derry é a maneira peculiar como Stephen King enxerga Bangor.

  • É lá, inclusive, que Stephen King possui sua mansão mais conhecida, a famosa casa com morcegos guardando os portões:
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Casa de Stephen King na 47 West Broadway em Bangor, Maine
  • A primeira vez em que Derry apareceu nas histórias de King foi no conto “The Bird and the Album”, voltando a aparecer em seguida no livro “IT A Coisa”, onde teve seus alicerces definitivamente enraizados. Os interlúdios do livro mostram um pouco mais sobre a origem e o passado da cidade. Este livro foi inspirado no clássico conto de fadas norueguês “The Three Billy Goats Gruff”.
  • Ao lado de Castle Rock e Jerusalem’s Lot, Derry completa a tríade cidades fictícias mais famosas criadas por Stephen King. O autor criou várias outras cidades, porém nenhuma delas foi tão explorada quanto estas três que King já assumiu serem uma homenagens ao uso que o autor H.P. Lovecraft (uma das inspirações de King) fez de Arkham, Dunwich e Innsmouth, três cidades fictícias do estado de Massachusetts, criadas por ele.
  • Derry também é mencionada no livro “One on One” da esposa de Steve, Tabitha King, em um posfácio onde ela agradece “a um outro autor” por permiti-la usar o nome da cidade.
  • Na Minissérie de televisão “Haven”, vaga adaptação do romance “The Colorado Kid” (inédito no Brasil), a cidade é mencionada.
  • No romance NOSFA2, do filho de Steve, Joe Hill, Derry foi incluída em um mapa na lista de locais sobrenaturais.
  • No seriado “Criminal Minds”, no episódio “Mr. Scratch”, de abril de 2015, Derry é mencionada como a cena de um crime anterior.
  • No quarto episódio da 14º temporada de “Love Boat”, série do canal NCIS, Derry foi mencionada como a cidade natal de um dos personagens não-regulares.

Alguns moradores de Derry:

  • William “Stuttering Bill” Denbrough
  • George Denbrough
  • Mike Hanlon
  • William Hanlon
  • Benjamin Hanscom
  • Eddie Kaspbrak
  • Beverly Marsh
  • Alvin Marsh
  • Richie Tozier
  • Stan Uris
  • Henry Bowers
  • Victor Criss
  • Reginald “Belch” Huggins
  • Patrick Hockstetter
  • Eddie Corcoran
  • Peter Gordon
  • Moose Sadler
  • Gard Jagermeyer
  • Richard “Dick” Halloran
  • Jim Sullivan
  • Norbert Keene

Derry foi palco dos livros “IT A Coisa”, “Insônia”, “Saco de Ossos”, “O Apanhador de Sonhos” e “Novembro de 63”. Também apareceu no conto “Extensão Curta” do livro “Escuridão Total Sem Estrelas”. Várias outras histórias de Steve se referem de alguma forma à cidade, são elas:

  • O Corpo (conto do livro “Quatro Estações”)
  • O Concorrente (escrito sob o pseudônimo de Richard Bachman)
  • O Cemitério
  • O Caminhão do Tio Otto (conto do livro “Tripulação de Esqueletos”)
  • O Atalho da Sra Todd (conto do livro “Tripulação de Esqueletos”)
  • Os Estranhos
  • O Piloto da Noite
  • Janela Secreta, Jardim Secreto (conto do livro “Depois da Meia Noite”)
  • Trocas Macabras
  • Sala de Autopsia Quatro (conto do livro “Tudo é Eventual”)
  • O Vírus da Estrada vai para o norte (conto do livro “Tudo é Eventual”)
  • Hearts in Atlantis (livro inédito no Brasil)
  • A Torre Negra VII: A Torre Negra
  • A História de Lisey
  • Sob a Redoma

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Este artigo inclui uma versão traduzida e adaptada do texto original publicado em três partes no site The King of Castle Rock de Thomas Beane. Demais fontes de pesquisa foram citadas no decorrer do artigo. Caso tenha despertado interesse em algum dos livros citados, todos podem ser encontrados em nossa Loja Virtual (tanto em eboook como em formato físico), aqui.

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6 respostas

  1. Acabei de ler meu quinto livro do King e fiquei curioso sobre algo: ele tem algum romance que não seja com essa temática bizarra/sobrenatural?
    Não que eu não goste, muito pelo contrário, mas fiquei curioso pra ver como ele se sai com outro estilo.
    Tem algum?
    Abraço e parabéns pelo site, já virei frequentador!

    1. Tem sim Milton. Na verdade, os melhores dele, na minha opinião, não são de terror. Nessa linha temos “À espera de um milagre” (que é mais puxado pro drama, apesar de ter o lance do sobrenatural no meio), “Quatro Estações”, que têm quatro histórias ótimas e o inédito Blaze, escrito sob o pseudônimo do Bachman. Obrigado pela visita e volte sempre!

  2. Milton, além destes que o Edilton mencionou (sendo que meu favorito, de longe, é “à espera de um milagre”), King tb escreveu um conto supostamente infantil, de fantasia, chamado “os olhos do dragão”. Trata-se de uma fábula que ele escreveu para a filha, a qual não gosta de livros de terror. Particularmente, não gostei muito deste livro, mas certamente é um dos livros do mestre que não se enquadra na categoria “terror”.
    Agora, temos também “A dança da morte”, que é fenomenal, mas pende sim para o sobrenatural, principalmente no final. Contudo, o enredo é baseado, inicialmente, em ficção científica: a humanidade é praticamente exterminada por um vírus. Quase todos morrem, e a narrativa acompanha a vida de alguns sobreviventes.

  3. Olá,

    ótimo texto, mas, a história de novembro de 63 não começa em Derry. Embora ela apareça no livro quando Jake Epping volta no tempo para 1958. A cidade onde fica a lanchonete de Al Templeton é Lisbon Falls

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